sexta-feira, 11 de junho de 2010

Quantum Enigma, de Wolfgang Smith, parte XVI

Mais trechos traduzidos do sexto capítulo: VI – No Princípio


Surge a pergunta sobre se a singularidade inicial em si pode ser interpretada à luz da doutrina metafísica. Sabemos que este “ponto” não corresponde a nenhuma realidade espaço-temporal; ele, assim, representa um “buraco”, um “vazio” onde não há absolutamente nada – nada físico, de qualquer forma. Ora, com certeza tal “buraco” ou “vazio” é algo metafisicamente sugestivo. Ele remete ao śunya búdico e ao ex nihilo cristão [13], e especialmente a um verso do Tao Teh Ching: “Trinta raios convergem para o centro da roda, mas é o vazio entre eles que os torna útil.” Metafisicamente falando, poderíamos dizer talvez que a singularidade inicial de fato representa “o centro da roda”, “o vazio entre eles”? Consideremos a questão.

Ora, em primeiro lugar, a “roda” da qual fala Lao Tze – como a prima rota de Dante – corresponde ao nosso círculo simbólico, cuja circunferência representa o universo espaço-temporal. E por isso também “o centro da roda” deve corresponder ao Centro transcendente, também conhecido como “o Princípio”. Assim, nossa tese se resume desta forma: a singularidade inicial se refere na verdade ao Centro metacósmico e constitui, em um plano científico, um reflexo bona fide do Centro mesmo. [14]

Porém, que razões podemos aduzir em defesa dessa interpretação? Simplesmente esta: que a singularidade inicial se apresenta como um ponto “irremediavelmente transcendente” do qual aparentemente brotou o universo inteiro. Poderia alguém conceber uma caracterização mais precisa do Centro transcendente em termos científicos? É inegável que a física trata do cosmo; mas é também verdade que o cosmo aponta para além de si mesmo, o que significa dizer que de diversas formas ele reflete a Causa Primeira transcendente. No linguajar tradicional, o cosmo é uma teofania, um ícone, se preferir; e é por isso que a “boa física”, como eu disse antes, está invariavelmente “correta” de um ponto de vista simbólico ou metafísico – mesmo que o próprio físico possa com freqüência ser o último a reconhecer esse fato.


Notas


13. A provável objeção a ser levantada é que, em contraste ao śunya búdico, o nihil cristão (“a partir do qual” Deus criou o mundo) deva ser compreendido simplesmente como “nada” no sentido comum. Contudo, precisamos lembrar que, de acordo com a pontuação alternativa do verso do prólogo de S. João, em 1:4 se lê: “O que foi feito, n’Ele era a vida”. Ademais, Cornelius à Lapide nos assegura em seu Comentário ao Evangelho de São João que ambas as pontuações são legítimas (mesmo que elas evidentemente correspondam a diferentes pontos de vista). Portanto, parece que o nihil deve também admitir uma segunda interpretação, na verdade mais profunda do que a primeira. Seria lícito dizer que ela pode ser interpretada como um “nada”, que parece também ser muito próximo do sentido no śunya búdico.


14. De um ponto de vista um pouco diferente, poderíamos também dizer que a singularidade inicial marca o “umbigo” do universo; e não vamos esquecer que “umbigo”[navel em inglês] e “cubo da roda” [nave em inglês] derivam da mesma raiz, o que nos leva de volta ao “centro da roda”, “o vazio entre eles”. Os que estudam a antigüidade reconhecerão na singularidade inicial uma exemplificação do Janua Coeli, a “abertura” central do universo, também exemplificada na arquitetura sagrada pela chave da abóbada sobre um domo construído de forma tradicional. Ou, ainda, nos três tijolos (svayamatrinna) do altar do fogo védico – e, mais próximo de nós, mesmo na “chaminé” pela qual desce o Papai Noel, trazendo presentes! Além disso, todos esses simbolismos tradicionais, cujo significado metafísico foi em grande parte esquecido, remetem ao Centro.

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