sexta-feira, 7 de maio de 2010

Quantum Enigma, de Wolfgang Smith, parte IV

Mais trechos traduzidos do segundo capítulo: II. O que é o Universo Físico?

Deve-se notar que toda forma de observação científica – seja um caso de medição ou de exposição – depende da correspondência entre um objeto corpóreo X e o objeto físico associado SX. Ela depende, em outras palavras, do ato de apresentação (X sendo a apresentação de SX). Em geral, a transição do domínio físico para o corpóreo, que consome o processo de observação, deve ser efetuada precisamente por uma passagem de SX para X; pois, de fato, não sabemos de nenhuma outra ligação ou nexo entre os níveis físicos e corpóreos da existência. Além disso, é evidente que o próprio físico experimental vale-se dessa conexão o tempo todo, como um procedimento de rotina.

Ele se vale dela, por exemplo, quando trata um objeto corpóreo como um sistema físico, ou quando emprega entidades corpóreas para “preparar” um sistema físico de um tipo transcendental; e sem dúvidas vale-se dela quando mede ou exibe um objeto físico.

Acontece, contudo, que essa ligação crucial não é reconhecida em parte alguma. Assim, em primeiro lugar, ela não aparece nos mapas dos físicos, pela simples razão de que esses mapas se referem exclusivamente ao domínio físico (e são por isso obrigados a excluir a ligação em questão). Nem há qualquer espaço para ela na nossa imagem cientificista do mundo; pois essa Weltanschauung, como sabemos, se baseia no postulado da bifurcação. Conseqüentemente, ela nega a existência do domínio corpóreo e, portanto, também a existência de uma ligação. Entretanto, reconhecida ou não, a ligação da apresentação está lá, e na verdade parece ser de constante utilização científica. O fato de nós não entendermos esse nexo – seja por meio da física ou da investigação filosófica – parece não importar, no mínimo. Também não fazemos sempre amplo uso da percepção sensível – a qual se revela não menos incompreensível?

Isso tudo se resume desta forma: Não pode haver o conhecimento do domínio físico sem a apresentação – assim como não pode haver o conhecimento do mundo corpóreo na ausência da percepção sensível. Não há maneira, é claro, de convencer o cético obstinado de que o universo físico existe em primeiro lugar, muito menos de que este pode ser conhecido; e certamente é sempre possível cair num reducionismo positivista. Basta dizer, entretanto, que não podemos evitar a idéia de apresentação – exceto ao custo do universo físico.

Surge agora a pergunta: O que podemos descobrir sobre um objeto físico a partir de sua apresentação? Apesar do fato de X e SX serem tão diferentes quanto poderiam – pense numa bola de bilhar vermelha, por exemplo, e numa nuvem de átomos –, precisa haver ainda uma certa “semelhança” entre os dois, ou X não poderia nos dizer nada sobre SX; o que, então, é essa “semelhança” ou conexão? Ora, a primeira coisa a se notar quanto a isso é que X e SX ocupam exatamente a mesma região do espaço – por mais estranho que isso pareça [5]. Pois, de fato, não faria sentido algum distinguir entre um dito espaço corpóreo e um espaço físico – porque o espaço físico não teria sentido a menos que pudéssemos relacioná-lo ao corpóreo, o que só pode ser feito, contudo, através da apresentação. Mas isso equivaleria a uma identificação de dois espaços, e, portanto, à concidência espacial de X e SX.

Mas esta coincidência espacial implica que as noções de distância e ângulo – que podem ser definidas, como se sabe, em termos de operações envolvendo varetas de medição – sejam levadas para o domínio subcorpóreo. Portanto, cada decomposição de um objeto corpóreo X em suas partes corpóreas corresponde a uma decomposição congruente ou geometricamente isomórfica de SX. Em uma palavra, há uma “continuidade geométrica” entre X e SX [6]. E é precisamente em virtude dessa continuidade geométrica que os objetos físicos podem ser observados. Graças a essa continuidade, é possível, por exemplo, apurar o estado de um instrumento físico a partir da posição de um ponteiro em uma escala (um ponteiro corpóreo em uma escala corpórea, desnecessário dizer). Ou, para colocar em termos mais gerais: o estado de um instrumento físico, conforme dado por sua geometria interna – ou, mais exatamente, pelas posições relativas de suas partes subcorpóreas – é passado para o plano corpóreo através da apresentação. Claramente toda medição e toda forma concebível de exposição depende desse fato.

Mais uma observação: em virtude da continuidade geométrica, a apresentação constitui um modo de exibição. Ela constitui de fato o que se poderia chamar de modo primário de observação, uma vez que todas as outras formas de observação dependem da exibição de apresentação, como notamos antes.


Notas

5 – O fato de que X e SX ocupem a mesma região no espaço não é nem um pouco paradoxal. Em primeiro lugar, ele não contradiz a nossa experiência sensível, porque a percepção pertence somente a X. Além disso, de um ponto de vista teorético, não há nada contraditório na noção de duas entidades ocupando o mesmo espaço; isso acontece, por exemplo, no caso dos campos. Um campo elétrico pode coexistir com um campo magnético, ou um gravitacional. Mais uma vez, o que você vê depende de como você olha.

6 – Há também, é claro, uma “continuidade temporal” entre X e SX. Isso significa, em primeiro lugar, que um objeto corpóreo X, considerado num instante particular do tempo, constitui uma apresentação de SX no mesmo instante, e, em segundo lugar, que a noção de “distância temporal” ou duração temporal, medida por relógios corpóreos, transfere-se para o reino subcorpóreo.

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