sexta-feira, 28 de maio de 2010

Quantum Enigma, de Wolfgang Smith, parte XI

Mais trechos traduzidos do terceiro capítulo: IV. A Materia Quantitate Signata  

À luz dessas considerações podemos enfim perceber toda a magnitude do desvio cartesiano. Pois parece que ao rejeitar as qualidades dos chamados atributos “secundários”, Galileu e Descartes eliminaram o que é na verdade primário: a própria essência das coisas corpóreas [12].

Ora, com certeza a física lida com os aspectos quantitativos da manifestação cósmica; e isso obviamente é legítimo e informativo até certo ponto. Mas não podemos esperar demais. Para toda sua afamada proeza, há limites no que a física é capaz de compreender ou explicar, e acontece dessas limitações serem muito mais rigorosas do que em geral tendemos a supor. Como observou o metafísico francês René Guénon:
Pode-se dizer que a quantidade, enquanto constituinte do lado substancial do mundo, é como se fosse uma condição “básica” ou fundamental: mas deve-se ter cuidado em não ir muito longe a ponto de atribuir-lhe uma importância de ordem maior do que é justificável, e mais particularmente não tentar extrair dela a explicação deste mundo. O fundamento de uma edificação não deve ser confundido com a sua superestrutura: enquanto há apenas uma fundação ainda não há a edificação, embora a fundação seja indispensável à edificação; da mesma forma, enquanto há apenas quantidade não há ainda manifestação sensível, embora a manifestação sensível seja radicada na quantidade. A quantidade, considerada em si mesma, é só uma “pressuposição” necessária, mas ela não explica nada; é na verdade uma base, e nada mais, e não se deve esquecer que a base é por definição aquilo situado no mais baixo nível. [13]

Ora, admite-se que a frase “não explica nada” talvez seja excessiva; mas todavia ela serve como um contrapeso a alegações não menos exorbitantes feitas por aqueles que “tentam extrair a explicação deste mundo” dos dados da física.

Estritamente falando, a única coisa que podemos entender sobre um objeto corpóreo nos termos da física são os seus atributos quantitativos; e além disso só podemos fazê-lo em virtude do fato de que os atributos em questão são herdados, por assim dizer, do objeto físico associado. Além deste ponto a física não tem mais nada a dizer. Ela tem “olhos” apenas para o físico: SX é tudo o que ela percebe, tudo que sempre aparece em seus gráficos. E essa é sem dúvida a razão porque os físicos têm conseguido convencer a si mesmos (e o resto do mundo instruído!) de que o objeto corpóreo como tal não existe; ou para colocar de outra forma: que X “não é nada senão” SX. Esta é a razão porque se pensa que as entidades corpóreas são “feitas de” átomos ou partículas subatômicas, e porque se defende que as qualidades são “meramente subjetivas”.

Finalmente, é preciso observar que essa suposta redução do corpóreo ao físico tem como efeito tornar ontologicamente incompreensível o próprio físico. podemos ainda, é claro, fazer cálculos e predições quantitativas, mas isso é tudo. Podemos de fato responder à pergunta “Quanto?” com incrível precisão; mas qualquer tentativa de responder à dúvida “O quê?” leva necessariamente à contradição ou absurdidade. Esta Weltanschauung (que na verdade não é uma Weltanschauung) não admite uma ontologia. E não é essa a conclusão a ser tirada do interminável debate sobre a “realidade quântica”? Ademais, é impossível sequer dar uma explicação não falsificada da metodologia científica dentro do quadro da posição reducionista, pois na ausência de qualidades não pode haver nenhuma percepção, e por isso também nenhuma medição. Estritamente falando, não conhecemos nem o corpóreo nem o físico, nem temos qualquer concepção clara do que é que a física trata. É de se admirar, então, que os físicos devam ter (nas palavras do físico Nick Herbert) “perdido o controle da realidade?” [14].



Notas
12. Para colocar em termos escolásticos: eles eliminaram precisamente as formas substanciais. Porém, na ausência das formas substanciais, o mundo corpóreo deixa de existir.

13. The Reign of Quantity (London: Luzac, 1953), p. 29.

14. Os leitores de Eric Voegelin podem se recordar da sua terrível tese de que, devido à dominação das “realidades segundas” nos tempos modernos, “desapareceu o fundamento comum da existência na realidade”, e que, como resultado, “desmoronou o universo do discurso racional”. (Veja “On Debate and Existence”, reimpresso no A Public Philosophy Reader, Arlington House, 1978). Parece haver muito de verdade neste argumento. Porém, Voegelin está pensando nas “realidades segundas” de um tipo cultural e ideológico; aparentemente, não lhe ocorreu que a “realidade segunda” mais importante – a que parece ser a base de todas as outras e que confundiu praticamente a todos – não é outra senão o universo físico como geralmente concebido. No momento em que se esquece que este chamado universo constitui apenas um domínio sub-existencial – uma mera potência em relação ao corpóreo –, cria-se um monstro. Pois de fato o domínio físico, assim “hipostasiado”, a partir daí se torna o principal usurpador da realidade, a grande ilusão da qual brotam uma multidão de erros maléficos. “Perder o controle da realidade” não é coisa pouca ou inofensiva!

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